quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Capítulo 3

   Estava olhando minha estante e vendo os souvenirs. Comecei a olhá-los de perto pra ver quais gostava mais e se seria capaz de dar todos mesmo. Alisei a gaita vermelha, brilhante, que papai deu por último. Tinha dito ter ganhado de um homem barbudo que tocava na Itália.
   Indecisa, fui ver as pessoas. Desci as escadas, rápido, imaginando que tipo de pessoas mereceriam meus souvenirs e o que poderia acontecer. No portão, avisei ao zelador que era segredo eu ter saído do prédio com muita seriedade. Aquele homem era muito suspeito, ainda sim.
   Me encaminhei à avenida e muita gente estava passando. Me posicionei espertamente ao lado da maior árvore que tinha na rua. Mas as pessoas estavam andando muito rápido e os únicos que ficavam eram velhinhos de chapéus cinza. Então, fui andando mais para onde tinham mais árvores, por intuição.
  Perambulando um pouco, achei o parque daquele bairro e fiquei atrás de um carrinho de pipoca, para observar as pessoas. Havia uma mulher, mais ou menos jovem, sozinha. Vendo melhor, percebi que estava olhando fixadamente para um colar quebrado. Ou melhor, com uma corrente e um pingente separados, sozinhos. Por muita curiosidade, deixei meu coração me guiar e me aproximei dela. A cumprimentei alegre, mas logo perguntei o que tinha aquele colar. Apenas me disse que era especial mas devia jogar fora peças que não se encaixam mais. Pedi que esperasse um pouco. Saí correndo de volta ao apartamento. Chegando na porta de casa, arfando, entrei no meu quarto. Olhei os souvenirs, e achei o que precisava. Pulseira cheia de pingentes grandes. Tirei o pingente de bicicleta e peguei um bocado de barbante e voltei a correr.
   Procurando aquela moça no meio das pessoas fiquei angustiada. Quando a avistei chamei por ela. Disse "Seu colar ainda pode ser especial", pedi ela a corrente e pus o pingente no meio, também, amarrei o barbante nas pontas para unir a corrente. Ela olhando minha arte-manha deu um grande sorriso e me disse "Muito grata, pequena". Fiquei feliz. Senti que ajudei alguém e que aquele pingente estaria mais que em boas mãos.
   A partir daquele acontecimento, passei a frequentar o parque todos os dias. Descobri que metade das pessoas que ali frequentavam eram novas enquanto a outra metade estava sempre lá. Ficava observando aquelas que pareciam solitárias, sempre com souvenirs no bolso, um bloco de anotações e uma caneta para deixar uma mensagem junto com um presente misterioso. A melhor parte sempre era a reação das pessoas. Algumas davam risada, outras pareciam tentar entender e outras sorriam de leve.
   Enquanto a estante de souvenirs ia se esvaziando, o dia de dar a gaita vermelha se aproximava. Alguns souvenirs, eu guardei para não dar a ninguém. Mas sabia que aquela gaita podia fazer outra pessoa mais feliz. Então, mantive ela até ser a última das que sobraram.
   Uma das pessoas que mais vinha ao parque era um senhor de chapéu azul marinho que andava de lá pra cá consertando alguma coisa com suas ferramentas. Mas certa vez, o vi concertando uma gaita e fiquei bastante surpresa. A gaita era bem pequena, parecia com a minha, só que era azul. Ah, e tinha uma figurinha.
    Fiquei observando ele por mais dois dias. Nesses mesmos dias ele não estava conseguindo consertar a gaita e ficar em paz. Fiquei imaginando se meu pai ficaria contente se eu desse a gaita. Levei comigo a gaita, mas queria saber de uma coisa antes.
- Olá senhor!
- Oi minha jovem...
- Senhor, por que está concertando essa gaita há tanto tempo?
- Porque prometi ao meu filho que devolveria essa gaita novinha em folha há um tempo.
- Mas seu filho já não é grande?
- É, lá no céu.
   Senti calafrios.
- Queria te dar um presente.
   Entreguei minha gaita vermelha.
- Como...você?
- Segredo. Sabe tocar?
   Sem cerimônias, ele me deu um forte abraço. Ele chorou. Eu também, quietinha.
   Então tocou uma música que pela primeira e última vez ouvi, mas que nunca mais esqueci.

Nenhum comentário:

Postar um comentário