Aquela mulher estava péssima. Nunca vi igual alguém passar tão mal mesmo na cama de hospital. Cirrose não era brincadeira nem de olhar.
As vezes, a noite ela chamava por meu nome e eu me perguntava porquê aquilo estava acontecendo. Depois de ter sumido por tantos anos, ela apareceu, na porta de casa, desmaiada para arruinar uma paz que eu criei sozinha.
A noite, enquanto voltava para casa do hospital, estava tentando esquecer a raiva que sentia ouvindo minha mãe me chamando de "Helê". Ela nem me conhecia mais.
Escolhi filmes que podiam me levar a outros lugares. Meus tios estavam viajando junto com Laura que agora estava ficando da minha altura. Deixei as luzes apagadas mesmo e só botei o dvd com a luz do celular. E então me deixei levar.
Mas naquela noite se deu ao luxo de ser, novamente, adolescente. No centro da pista de dança, em meio aos frenéticos flashes e lasers, pulava e mexia-se animalescamente ao som daquela música de três acordes e letra repetitiva, dava as mãos para seu namorado e pedia que lhe rosasse; beijava-o, encostando-o na parede de modo que os hormônios quase fossem vistos explodindo entre os dois. Naquele dia não se preocupada em agir de acordo com vazio e superficial julgado por qualquer um, mesmo ela. Naquele dia queria beber mesmo sabendo que iria dormir enjoada, queria fumar mesmo sabendo que acordaria tossindo; naquele dia talvez até quisesse mesmo experimentar as drogas que nunca teve coragem, pois antes tinha medo. Medo de perder-se de si. Mas naquele dia queria sim, perder-se; queria dividir-se em duas e jogar sua metade amarga e metódica fora. Queria ser a jovem rebelde cheia de si, dona da verdade e conhecedora da vida, que saiu de casa batendo o pé e a porta por qualquer motivo banal, deixando a preocupação com o dinheiro, horário e carona. E por alguns minutos talvez tenha conseguido com a sensação hiperativa, irreverente e inconsequente forjada pelo álcool do genuíno, nobre e entrópico sentimento de liberdade.
Por Letícia Kim & Gabriela Zimberg
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